12.11.13

Pavio












Contaram-me hoje uma história divertida, de há uns anos, e que se passou comigo, embora eu não tenha dado por isso. Tratou-se de um caso de tentativa de galanteio (o arcaísmo naquele caso fazia sentido), tudo muito maduro e civilizado, mas que esbarrou, achei eu,  num certo desinteresse da contraparte. Não insisti, porque nunca insisto. Pois agora, tanto tempo depois, ela contou a uma amiga comum que «houve um clima», mas que eu não tomei a iniciativa, não voltei à carga, e então ela achou que eu é que me mostrei indiferente aos seus encantos, e pronto, acabou-se. Uma mulheraça, digo-vos eu, que sou esquisito. Depois, cada um seguiu o seu caminho, como é natural, ela casou, ou coisa do género, eu tive uns ameaços e uns fiascos, como é costume. «Mas ela estava definitivamente interessada», garante a minha amiga, com o gozo que o irremediável confere à frustração alheia. E eu lembrei-me de dois versos de Cristovam Pavia: «A virgem não obstou. / E, como era poeta, virgem ficou». Claro que, no caso, não havia virgens, nem poetas, mas gosto do sarcasmo do «e como era poeta» de Pavia, que sugere que a donzela, mesmo «não obstando», estava a bom recato de avanços significativos, tão incompetente se mostrava a criatura de vago cromossoma Y e hipotética propensão estrófica. Trata-se, confesso, de uma oportunidade perdida que ainda agora me contraria um bom bocado, do ponto de vista estritamente sexual; mas a verdade é que, «do ponto de vista estritamente sexual», o arremedo de poeta não constitui um perigo, muito menos um prémio. Eu perdi bastante, ela não perdeu nada, e o Pavia é que se ficou a rir.