31.12.13

O seu exacto contrário




















Não se trata de niilismo, mas do seu exacto contrário. Acontece que o contrário do niilismo não é necessariamente a alegria. Se não existisse nada, diz-se no Monsieur Ouine de Bernanos, eu seria alguma coisa; mas, como existe alguma coisa, sou eu que não sou nada.

Bandeira

A bandeira mais orgulhosa rasga-se facilmente ao vento agreste.

E vivo com isso

O último número (Dezembro de 1929) da revista La Révolution surréaliste publicou um «inquérito sobre o amor», do qual constava esta pergunta: «Acredita na vitória do amor admirável sobre a vida sórdida ou da vida sórdida sobre o amor admirável?». Aragon respondeu: «Acredito na vitória de tudo o que é sórdido sobre aquilo que é admirável, e vivo com isso como posso».

30.12.13

2013: RIP

John Casablancas
James Gandolfini
Seamus Heaney
Óscar Lopes
Jason Molina
Peter O'Toole
Juan Luis Panero
António Ramos Rosa
Lou Reed
Jean Stapleton

[cont.]

2013: Livros

Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas, Quetzal
Donald Barthelme, 40 Histórias, Antígona
Raul Brandão, A Pedra ainda Espera Dar Flor – Dispersos 1891-1930, Quetzal
Rogério Casanova, Trabalhos de Casa, Relógio D’Água
Rubem Fonseca, Agosto, Sextante
Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim
Clarice Lispector, Laços de Família, Relógio D’Água
Miguel-Manso, Tojo, Relógio D’Água
Luigi Pirandello, O Falecido Mattia Pascal, Relógio D’Água
Dalton Trevisan, A Trombeta do Anjo Vingador, Relógio D’Água

Optei por escolher dez livros sobre os quais escrevi neste suplemento [«Actual», do Expresso]. Podia acrescentar os contos de Mário de Carvalho e a poesia de Golgona Anghel, José Ricardo Nunes, Manuel Gusmão e Raquel Nobre Guerra. E lembrar as cuidadas reedições de Agustina, Sophia, Eugénio, Almeida Faria. Na ficção estrangeira, destaquei Os Enamoramentos, de Javier Marías; as edições e reedições de Borges e Nabokov; e a estreia portuguesa de Bernard Malamud.

Outros livros notáveis deste ano: José Gil sobre a heteronímia pessoana; os Discursos Vários Poéticos de Vasco Graça Moura; as diversas traduções de Pedro Tamen e de Aníbal Fernandes; os contos de Eudora Welty, Alice Munro e Junot Díaz; os romances Libra, de Don DeLillo, e Uma Caneca de Tinta Irlandesa, de Flann O’Brien; Alfabetos, ensaios de Claudio Magris. E uma nova tradução do Ulisses. Finalmente, as crónicas de Lispector, uma revelação, e de Manuel António Pina, uma despedida.

[Reproduzo as escolhas publicadas na última edição do Expresso; por razões deontológicas óbvias, não escolhi nenhum livro da Tinta da China; mas aqui no blogue posso dizer que a grande edição deste ano é o colossal Dicionário de Lugares Imaginários de Gianni Guadalupi e Alberto Manguel, traduzido por Carlos Vaz Marques e Ana Falcão Bastos, e com um prefácio inédito de Manguel].

2013: Filmes

Barbara, de Christian Petzold
A Caça, de Thomas Vinterberg
China – Um Toque de Pecado, de Jia Zhang-ke
Dentro de Casa, de François Ozon
Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami
O Mentor, de Paul Thomas Anderson
Noiva Prometida, de Rama Burshtein
A Propósito de Llewyn Davis, de Joel e Ehan Coen
O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho
A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2, de Abdelatiff Kechiche

Com menções honrosas para Tarantino (ao qual não aderi completamente) e Alain Guiraudie. Prémio de simpatia para Noah Baumbach e de consistência para Jeff Nichols. E uma saudação ao convívio habitual com os cineastas asiáticos, como Asghar Farhadi, Hirokazu Koreeda e Hong Sangsoo.

2013: Discos

[ainda em escuta]

Begin The Begin



Birdie in the hand for life's rich demand
The insurgency began and you missed it

(...) Life's rich demand creates supply in the hand
Of the powers, the only vote that matters

(...) Let's begin again begin the begin
Let's begin again.

Uma definição

O segundo verso

Lembro-me que depois do primeiro verso, «I'll be your mirror», transparente como um espelho, vinha um verso que eu aos 18 anos não compreendia: «Reflect what you are, in case you don't know». Como é que alguém «não sabe»? Como é que «what you are» não é evidente? Não tenho feito outra coisa que não seja compreender o segundo verso.

29.12.13

Uma retórica surpreendida

Quando fica zangada, é como se cada frase procurasse esclarecer a anterior, em vez de a desenvolver. É uma espécie de retórica anti-equívocos, meio surpreendida meio exasperada.

A frase completa



«I'm set free», tranquiliza-nos a canção dos Velvet. Mas a frase completa é «I'm set free to find a new illusion». Ou não é ainda essa a frase completa?

Diferente

Começa-se com um «mas tu és diferente», e depois teme-se que tudo seja  igual.

Ventoinhas

Os veteranos de guerra que ouvem helicópteros no barulho de uma ventoinha. Toda a gente compreende mais ou menos o trauma mas pouca gente suporta a manifestação do trauma. Só quem ama um veterano é que não acha ridículo ter medo de ventoinhas.

27.12.13

The Queen is Dead

A greve do lixo



It's a beautiful morning
The sky is black as ink
The city's sleeping still
And soon they'll wake up
To the stink

And soon they'll wake up
To the stink of life passing them by
Wake up and smell the stink of their lives.


[Eels]

Os leopardos de Kafka

Tenho mais do que idade para ser um dos leopardos de Kafka: aqueles que, de tantas vezes interromperem um ritual, já fazem parte do ritual.

O que parece

Nas últimas duas décadas, aprendi apenas uma coisa definitiva sobre a relação das mulheres com os homens: que aquilo que parece, é. Nunca, em nenhuma circunstância, tive conhecimento de excepções (mas admito que existam). Uma conclusão pessimista? Não vejo porquê. Parece-me positivo saber que, ao menos, podemos contar com uma regra.

26.12.13

Estragos

A minha cabeça já devia ter entrado em colapso: nunca estive tão tranquilo e tão pessimista, e essas duas informações, introduzidas ao mesmo tempo numa mesma máquina, têm de fazer estragos.

25.12.13

Beato

















Em De l’inconvénient d’être né, Cioran escreveu que se a repugnância pelo mundo bastasse para garantir a santidade, ele estava a caminho da canonização. Quanto a mim, creio que mereço ao menos a beatificação.

24.12.13

Na igreja

Tento tantas vezes
analisar a natureza
dos seus silêncios. É aqui que Deus se esconde
de mim que o procuro? Parei para ouvir,
depois de umas escassas pessoas terem saído,
o ar que se recompunha
para a vigília. Esperou assim
desde que as pedras se agruparam à sua volta.
Estas são as costelas duras
de um corpo que as nossas orações não conseguiram
reanimar. As sombras avançam
dos recantos para se apoderarem
dos lugares que a luz conservou
durante uma hora. Os morcegos
voltam a andar por aqui. O desconforto nos bancos corridos
termina. Não há outro som
no escuro senão o som de um homem que
respira, que testa a sua fé
no vazio, pregando as suas perguntas uma por uma
numa cruz abandonada.


[R.S. Thomas; versão PM]

O calão aceite

«And beauty is accepted slang for yes», diz Larkin, perspicaz e cru; mas parece-me que a beleza também é o «calão aceite» para um não, e para um talvez. É um ideograma clamoroso mas sem sentido.

23.12.13

Companhia



[foto enviada por uma leitora]

Lógica triste

Como um xadrezista triste que adivinha sempre a lógica da jogada seguinte.

19.12.13

Gone

Moe Tucker, numa evocação de Lou Reed: «Now Andy's gone, Sterling's gone, Nico's gone and Lou's gone». Pode-se escrever a história de uma vida numa frase assim.

18.12.13

A tempo

«Je voulais prendre un train que je n´ai jamais pris», cantava o Brel. Estás a tempo, dizes, mas vais descobrir que não é verdade.

Mucho mistrust

Depende da «fragilidade» a que te referes: há «corações de vidro» que são frágeis e outros que são insensíveis e outros que estão apenas a defender-se. Os Blondie explicam: «Once I had a love and it was a gas / Soon turned out had a heart of glass / Seemed like the real thing, only to find / Mucho mistrust, love's gone behind».

Hoffa

Há uns anos, estive tolamente apaixonado por uma mulher que adoptou o lema do sindicalista mafioso Jimmy Hoffa: «Tenho os meus defeitos, mas estar errada não é um deles».

Podestà



O meu pai diz-me que morreu Rossana Podestà. Não faço ideia quem seja Rossana Podestà. Escrevo no Google «Rossana Podestà» e então percebo o tom do meu pai, e que o mundo não começou hoje.

Poznan

Ouvido no café: «Tu conheces Poznan mas não conheces Idanha-a-Nova».

Camus

Um sem-abrigo dirige-se-me e diz: «Gostei do seu artigo sobre Camus».

Os complexos de direita

First they went after the Rockefeller Republicans, but I was not a Rockefeller Republican. Then they went after the compassionate conservatives, but I was not a compassionate conservative. Then they went after the mainstream conservatives, and there was no one left to speak for me.

[David Brooks]

17.12.13

Ele vive na maleita



Voltou-se à lei que é dura
e à chama rarefeita
mas se o que arde cura
ele vive na maleita


[«Para Ninguém», do grande Samuel Úria]

A virtude e o fascínio

Talvez a experiência mais desanimadora de toda a minha vida seja a quase absoluta não-coincidência entre as «pessoas interessantes» e as «boas pessoas». É como se a virtude e o fascínio fossem água e azeite. E as excepções, de tão escassas, confirmam a triste regra.

16.12.13

A tua juventude



Gosto tanto de «Don't Let Our Youth Go To Waste», embora já só possa honestamente dizer «your youth».

Quem és?

Quem és? Porque tomaste a minha mão? Somos ou não inimigos? A paz que usufruímos é ou não fictícia, e, na verdade, temos de morrer para recomeçar uma aliança sem desfrute e sem despeito?

[Agustina]

15.12.13

Peter O'Toole 1932-2013




















Boémio e alcoólatra, foi um dos inebriados «Hellraisers», com Richard Burton, Richard Harris, Oliver Reed ou Peter Finch, mas em versão «aristocrática» (de atitude, não de berço). Claramente mordaz e culto e caótico, tinha uns olhos azulíssimos, sedutores e inquietantes, que ainda hoje nos ameaçam ou convencem. Actor de teatro, com dicção teatral, especializou-se em Shakespeare, fez Shaw e Tchékhov, e interpretou papéis marcantes do teatro moderno em Godot e O Tempo e a Ira. Deu ainda corpo a Jeffrey Bernard, o brilhante colunista e farrapo humano, um O’Toole que nunca se tornou abstémio (Jeffrey Bernard in Unwell). Nomeado oito vezes para os Óscares da Academia, nunca ganhou, e compensaram-no, já velho, com um prémio de carreira. Quiseram dar-lhe um título de nobreza, mas recusou. Tenho-o em muito melhor conta do que aos filmes que fez, embora goste bastante de Becket e de O Leão no Inverno (e moderadamente de Lawrence da Arábia). Entrou noutras duas ou três obras relevantes que não conheço, e em dezenas de títulos irrelevantes. Peter O’Toole era maior que os papéis que lhe davam: era uma indiscutível presença. Ridley Scott percebeu isso quando, em Prometheus, pôs um humanóide a aprender quão perfeita e elevada consegue ser a espécie humana, e para entender isso o robô observava e imitava O'Toole. E ficava, como nós, seu súbdito.

Os juramentos indiscretos

Em Os Juramentos Indiscretos (1732), de Marivaux [que vi hoje no Nacional, numa encenação de José Peixoto, com uma tradução impecável de Maria João Brilhante e um elenco à altura], o «casamento por interesse» gera desinteresses sucessivos das partes envolvidas (pais, noivos, criados), de acordo com os cálculos de cada um, a sua volubilidade sentimental, as suas putativas intenções teóricas, o seu orgulho e arrebatamento e arrependimento. Eles e elas fazem «juramentos» apressados, que depois indiscretamente desmentem. E em vez de dizerem que amam sem de facto amarem, fazem o contrário: amam e não o confessam. É uma coreografia aristocrática, sofisticada e lúdica, que me parece tão esplêndida como antiga, tão diferente do mundo actual onde tudo o que parece é, e tudo é o que parece.

14.12.13

Não é o tempo



So, goodbye
Please stay with your own kind
And I'll stay with mine

There's something against us
It's not time
It's not time

Espécies

O que estava contra nós não era o tempo mas o facto de pertencermos a espécies diferentes, e a espécies desiguais.

Ficção

Transcrevo para um caderninho do qual me vou esquecer as mensagens incríveis que ela me mandou, como se tomasse notas para um livro de ficção.

11.12.13

Ocupação

Hanky-panky

ENTREVISTADORA: What amazes me in all the stuff that I’ve read is why people are so bemused and taken aback by the fact that Morrissey could be in love?

MORRISSEY: Yes. Well, I’m not, so… (…)

ENTREVISTADORA: There’s obviously little comments on hanky-panky in the album.

MORRISSEY: Well, I think there always was. I think I always aluded to hanky-panky along the way, but this time around it seems to mean something to many reviewers, which is fine.

ENTREVISTADORA: Maybe they’re not getting it…

MORRISSEY: Well, most people don’t, you know? They really don’t.

[entrevista ao Channel 4, 2009]

O interesse

Lições da meia-idade: não ignorar o interesse de quem está interessado e não mendigar o interesse dos desinteressados.

10.12.13

88 versos sobre 44 mulheres



Deborah was a Catholic girl
she held out till the bitter end
Carla was a different type
she's the one who put it in
Mary was a black girl
I was afraid of a girl like that
Suzen painted pictures
sitting down like a Buddha sat

Reno was a nameless girl
a geographic memory
Cathy was a Jesus freak
she liked that kind of misery
Vicki had a special way
of turning sex into a song
Kamala, who couldn't sing,
kept the beat and kept it strong

Zilla was an archetype
the voodoo queen, the queen of wrath
Joan thought men were second best
to masturbating in a bath
Sherry was a feminist
she really had that gift of gab
Kathleen's point of view was this
take whatever you can grab

Seattle was another girl
who left her mark upon the map
Karen liked to tie me up
and left me hanging by a strap
Jeannie had a nightclub walk
that made grown men feel underage
Mariella, who had a son,
said I must go, but finally stayed

Gloria, the last taboo
was shattered by her tongue one night
Mimi brought the taboo back
and held it up before the light
Marilyn, who knew no shame,
was never ever satisfied
Julie came and went so fast
she didn't even say goodbye

Rhonda had a house in Venice
lived on brown rice and cocaine
Patty had a house in Houston
shot cough syrup in her veins
Linda thought her life was empty
filled it up with alcohol
Katherine was much too pretty
she didn't do that shit at all

Pauline thought that love was simple
turn it on and turn it off
Jean-Marie was complicated
like some French filmmaker's plot
Gina was the perfect lady
always had her stockings straight
Jackie was a rich punk rocker
silver spoon and a paper plate

Sarah was a modern dancer
lean pristine transparency
Janet wrote bad poetry
in a crazy kind of urgency
Tanya Turkish liked to fuck
while wearing leather biker boots
Brenda's strange obsession
was for certain vegetables and fruit

Rowena was an artist's daughter
the deeper image shook her up
Dee Dee's mother left her father
took his money and his truck
Debbie Rae had no such problems
perfect Norman Rockwell home
Nina, 16, had a baby
left her parents, lived alone
Bobbi joined a New Wave band
changed her name to Bobbi Sox
Eloise, who played guitar,
sang songs about whales and cops
Terri didn't give a shit
was just a nihilist
Ronnie was much more my style
cause she wrote songs just like this
Jezebel went forty days
drinking nothing but Perrier
Dinah drove her Chevrolet
into the San Francisco Bay
Judy came from Ohio
she's a Scientologist
Amaranta, here's a kiss
I chose you to end this list.


[The Nails, «88 Lines About 44 Women», do EP Hotel For Women, 1982]

Interpretação



Que montre Lacan? Que le désir n'est pas une fonction biologique; qu'il n'est pas coordonné à un objet naturel; que son objet est fantasmatique. De ce fait, le désir est extravagant. Il est insaisissable à qui veut le maîtriser. Il vous joue des tours. Mais aussi, s'il n'est pas reconnu, il fabrique du symptôme. Dans une analyse, il s'agit d'interpréter, c'est-à-dire de lire dans le symptôme le message de désir qu'il recèle.

[Jacques-Alain Miller, editor das obras completas de Lacan]

Visível

Há uns tempos, surgiu na imprensa francesa a notícia de que teria sido descoberto um quadro com a mulher que Gustave Courbet retratou em A Origem do Mundo; como se se se tratasse de um díptico, ou de parte de um quadro maior que mostrava um sexo mas também um rosto femininos. Os especialistas vieram desmentir tal hipótese. Mas creio que aqueles que sentiram a necessidade de dar rosto àquele corpo não eram, de todo, puritanos; queriam, poeticamente, que a «origem do mundo» fosse o prazer. E sabiam onde é que o invisível se faz visível.

Um conceito mais depurado



Se disser que um papel é branco puro e se a seu lado se puser neve, e aquele parecer agora cinzento, continuaria a estar certo quando, no seu contexto habitual, lhe chamasse branco e não cinzento claro. Poderia acontecer que eu usasse um conceito mais depurado de branco, (digamos),num laboratório (onde, por exemplo, eu também usaria um conceito mais depurado da determinação exacta do tempo).

[Ludwig Wittgenstein / Julião Sarmento / Ana Filipa Cardoso]

9.12.13

Para a amiga dele

Pediu-me que autografasse um exemplar da minha antologia poética, e que o dedicasse a uma amiga dele. E logo emendou, meio constrangido, «eu queria que fosse mais do que uma amiga». Conta-me que ela gosta muito do que eu escrevo, «e que até se casava» comigo. Calmo e triste, comenta: «se isso a fizesse feliz», e acrescenta umas comoventes reticências. Desejei-lhe boa sorte, bem ainda mais escasso do que a poesia.

8.12.13

Já nas livrarias

















Cinemateca: 48 filmes, de Laura a Tabu. Edição Tinta-da-china.

6.12.13

Às golfadas

A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.


[Herberto Helder]

5.12.13

41

41 não entusiasma nem assusta: é um aniversário zen.

Típico



I doused our friendly venture
With a hard-faced
Three-word gesture

I started something
I forced you to a zone
And you were clearly
Never meant to go
Hair brushed and parted
Typical me, typical me
Typical me.

Estupefacção

Uma doçura deliciosa e perigosa como um estupefaciente.

Photomaton

Temperamentalmente sou um pessimista. Filosoficamente, um conservador. Politicamente, um moderado. Socialmente sou esquivo. E pessoalmente sou um radical.

4.12.13

O seu elemento


















Elle respirait comme une nageuse et souriait en même temps, puis nageait de plus en plus vite, allait s’échouer sur une grève chaude et humide, la bouche ouverte, encore souriante, comme si à force de grottes et d’eaux profondes, l’eau était devenue son élément et la terre le lieu aride où, poisson ruisselant, elle étouffait joyeusement.

[Camus, nos Carnets III, sobre a sua amante dinamarquesa na cama]

3.12.13

Patético

Poder absoluto

Um poder absoluto nas mãos das mulheres: com uma inflexão de voz, lembram-nos que não valemos nada; e uma inflexão diferente alimenta-nos a ilusão de que valemos.

2.12.13

O amor às três da tarde



O sexo é talvez uma ocupação. Mas no sentido de «actividade» ou de «invasão»?

1.12.13

Uma espécie de

Uma espécie de Mark Ruffalo em feio, «randy but unthreatening, warm to the touch but cool about stuff, with a dash of smugness in his easy smile».