3.1.14

Uma grande agitação

Fala também do estilo, e da insistência de Flaubert no estilo, que de certa forma não o atrai, porque o perigo é «escrever sobre nada». É esse o seu principal problema com a noção de estilo como base da ficção?
É. Voltamos à sua pergunta sobre «A Herança Perdida» ser sobre o entusiasmo e a melancolia. Sinto isso em relação ao Flaubert. É impossível ler o Flaubert e não pensar, «uau, isto é uma escrita tremenda e um extraordinário passo em frente para o romance». Por outro lado, sim, abordo com melancolia esse sentimento de insegurança, armadilha e dificuldade que o Flaubert traz E a aparente primazia do estilo sobre o conteúdo, esse desejo de obliterar o conteúdo e de escrever um romance apenas de linguagem, sobre nada, sem matéria. Consegue ver-se isso continuado de modo inconsciente pelo «nouveau roman». E às vezes também se vê um pouco nas obras de pessoas como Nabokov. Não tanto na sua ficção mas nas suas opiniões críticas. As suas opiniões sobre outros escritores eram quase sempre absurdamente depreciativas.

Sobre Dostoiévski, por exemplo.
Dostoiévski, Thomas Mann, Stendhal, Camus, não tolerava nenhum deles, achava que eram confusos e desleixados. Claro que isso é ridículo. Flaubert, quando leu o «Guerra e Paz» achou que era extraordinário mas que não funcionava. E o Henry James também disse que era um «enorme monstro frouxo, a arrastar a sua forma enorme pelo chão». Até certo ponto podemos dizer que na literatura contemporânea há um contínuo combate entre uma linha jornalística, que é extensa, e que tem muita informação, e uma linha crítica, que é pequena, distinta, formal, controlada.

Mas há um elemento de estilo de que gosta, o fluxo da consciência, que curiosamente remonta a Jane Austen, que diz ter sido a primeira autora a mostrar o raciocínio interior das personagens. Essa afirmação não é muito óbvia.
Pois não. Mas pode constatar-se num romance como o «Ema», e pode ver-se no «Orgulho e Preconceito» à medida que a heroína fica cada vez mais agitada e mais reflexiva sobre o que fez de errado. A descrição do seu estado mental, que começa a explodir um pouco nos seus pontos de exclamação, nos travessões, nos parêntesis, à medida que Austen tenta representar uma grande agitação na página. E ainda não consegue fazê-lo bem, escreve apenas quarenta anos antes de Flaubert descrever Emma Bovary, pensando, sentada a ler, a sonhar, a fantasiar. Austen tem um pé na era moderna.

[excerto da minha entrevista a James Wood, crítico da New Yorker, que será publicada no Expresso de amanhã]