27.6.14

Ameaçado

É o amor. Tenho de esconder-me ou fugir.
Os muros da prisão erguem-se como num sonho atroz. A bela máscara transformou-se, mas é, como sempre, a única. De que me servirão os meus talismãs: o exercício das letras, a vaga erudição, a aprendizagem das palavras que usou o áspero Norte para cantar seus mares e suas espadas, a serena amizade, as galerias da Biblioteca, as coisas comuns, os hábitos, o jovem amor de minha mãe, a sombra militar dos meus mortos, a noite intemporal, o sabor do sonho?
Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.
Já o cântaro se quebra na fonte, já o homem se levanta ao ouvir os pássaros, já escurecem aqueles que estão às janelas, mas a sombra não lhes trouxe paz nenhuma.
É, bem sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir a tua voz, a espera e a memória, o horror de viver sucessivamente.
É o amor com as suas mitologias, com as suas pequenas magias inúteis.
Há uma esquina onde não me atrevo a passar.
Estou cercado de exércitos, hordas.
(Este quarto é irreal; ela nunca o viu.)
Há um nome de mulher que me denuncia.
Há uma mulher que me dói no corpo todo.


[Jorge Luis Borges, «El amenazado», de El Oro de los Tigres, 1972, versão PM]