19.9.14

Chamada perdida

Recebo uma chamada no telemóvel, e número que aparece é o do meu telefone fixo. Fico desconcertado, porque não há ninguém em casa, e além disso esse telefone está desligado. Atendo. É uma mensagem publicitária, gravada, da minha operadora de telecomunicações. E ocorreu-me, por instantes, uma conversa entre Bill Pullman e Robert Blake em Estrada Perdida. Blake, maquilhado de assombração, encontra Pullman numa festa e diz que se conheceram em casa dele: «não se lembra?». O outro não se lembra. Blake declara então: «As a matter of fact, I'm there right now». E depois, estendendo um telefone portátil: «Call me». Pullman, a medo, liga para casa. E do outro lado da linha Blake atende o telefone. À época, essa cena assustou-me muitíssimo, por razões que de todo desconheço. Lynch, bem sei, tem essa capacidade de comunicar com os nossos pavores inconscientes. Por isso, quando o telemóvel tocou esta noite e era da minha casa, eu não imaginei um intruso ou um assalto: temi, de forma cinematográfica e absurda, que do outro lado estivesse eu.